Na linha da frente: diplomados no combate à Covid-19
Testemunhos na primeira pessoa
Joana e Tiago, enfermeira e fisioterapeuta, são dois
diplomados que a Escola Superior de Saúde (ESS/IPS) formou para as exigências daquele
que está a ser o maior desafio das suas vidas profissionais. Ambos a trabalhar em unidades de
cuidados intensivos de hospitais de referência, enfrentam diariamente, sob a proteção de
complexas indumentárias, os aspetos mais perversos da nova doença - da falência de
órgãos à solidão do paciente que a família está impedida de visitar. E também o medo e as
saudades de abraçar os seus.
"Faço a vida familiar a pensar que posso
estar assintomática"
Joana Mestrinho, enfermeira na UCIMC do Hospital de
Santa Maria
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Qual tem sido o seu percurso como enfermeira e de que forma este contexto
de pandemia alterou a sua rotina diária de trabalho?
Iniciei funções no serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar Lisboa Norte - Hospital de
Santa Maria (HSM), de 2009 a 2013, e desde 2013 exerço funções na Unidade de Cuidados
Intensivos Médico-Cirúrgica. Foi a primeira unidade de intensivos do HSM exclusiva para
pessoas em situação crítica por COVID19. Isso traduziu-se numa alteração drástica das
rotinas de trabalho, desde os circuitos do serviço às dinâmicas de trabalho em equipa e a
toda uma panóplia de alterações de normas de procedimento, dadas as especificidades do
vírus e o risco biológico associado, tendo sido obrigatória uma adaptação rápida por toda a
equipa.
Neste contexto da linha da frente de resposta à COVID-19, qual é em
concreto o papel do enfermeiro?
O papel do enfermeiro, no meu contexto, não é diferente. Visa a prestação de cuidados
holísticos à pessoa em situação crítica, à qual se associa uma forte componente técnica
devido à necessidade de recorrer às ditas "máquinas" para assegurar o suporte de órgãos,
sem descurar a componente humana de conforto, de assegurar uma morte digna, e de
envolver a família apesar da proibição de visitas. Procuramos que a pessoa possa falar com
a família através de vídeo-chamada, quando a situação o permite.
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Como tem lidado com a exposição ao risco de contágio e de que forma isso
veio alterar também a sua vida pessoal?
Tem sido difícil. Sair de casa foi o primeiro impulso, mas com um bebé isso é
complicado. O medo é muito, mais por poder ser um veículo de transmissão do que por
poder ficar doente, faz-me estar num estado de hipervigilância e obsessiva com as
limpezas. Isolei-me num quarto com casa de banho para uso exclusivo, fiz um circuito de
sujos e limpos, tento manter-me o mais afastada possível, uso máscara, faço limpezas
constantes, tomo banho quando termino o turno e novamente em casa...
O mais doloroso é mesmo não poder dar um beijinho ao próprio filho.
Quais são os casos mais críticos com que tem lidado e que impacto é que isso
está a ter para si, como profissional e ser humano?
Todos os casos são de elevada complexidade, com falência de múltiplos órgãos,
necessitando de ventilação, de suporte de função cardíaca e alguns casos de técnica de
substituição renal e de oxigenação por membrana extracorporal, sendo esses os mais
críticos e que exigem o máximo de nós enquanto profissionais. Enquanto ser humano, ao
ver aquilo que o vírus pode provocar, é difícil não pensar que pode acontecer a qualquer um
de nós ou dos nossos. Além disso o isolamento é uma das situações que mais me custa...
Falta o apoio e o estímulo da família, imprescindível na recuperação da pessoa...Afinal como
se vive sem amor?
O que destacaria do seu período de formação na ESS?
Muitas foram as aprendizagens! E não se limitam ao conhecimento técnico, porque esse
requer revisão e atualização constantes. Destaco o desenvolvimento de competências no
âmbito do trabalho em equipa, comunicação, gestão de prioridades, gestão de risco/crise e
controlo de infeção, que nesta situação considero determinantes. Em termos humanos, a
capacidade empática e a resiliência foram aprendizagens sempre importantes, e que têm
sido indispensáveis neste momento que vivemos.
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Enquanto profissional de saúde, o que lhe parece pertinente transmitir à
restante população?
Creio existir uma sensação de que voltaremos em breve à normalidade, mas a meu ver
aquilo que conhecíamos como "normalidade" terá de ser modificada face à situação que
vivenciamos. Os cuidados com a higienização das mãos, a etiqueta respiratória, as
recomendações em relação a como proceder quando se retorna a casa, terão de se tornar
parte da rotina e não podem ser vistas como medidas provisórias. Considero que é preciso
reforço do ensino à população destas medidas e nisso os enfermeiros têm um papel
fundamental. Só juntos e a pensar no bem comum conseguiremos ultrapassar este
momento crítico das nossas vidas.
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